domingo, 23 de setembro de 2012

Bodega


Bodega 
(Totonho Laprovitera)

O bodegueiro cochilando, tem bucho quebrado, 
Ceroto no pescoço, mau humor e os zói trocado 
Em todo canto, no interior, no litoral, até na Capital, 
Como a bodega que frequento, não existe outra igual 

Na fachada tem cartaz desbotado do calor, 
Tem de presidente, senador, governador 
De deputado tem estadual e federal, 
Vereador, prefeito, cada qual é mais o tal 

A calçada é baixa e a porta escancarada 
O nome da bodega ta na placa estampada 
Pendurada e com reclame de refrigerante, 
Água mineral e de algum embriagante 

Vende à vista e também em caderneta, 
Só para troco é a grana da gaveta 
E pra mau freguês, já bem cedo de manhã, 
Na cartolina tem o aviso “fiado só amanhã” 

Com ladrão o proprietário perde a estribeira 
Tem pimba de boi, uma boa lambedeira, 
E um jucá pesado, feito sob encomenda 
Aí, é pisa grande, como bem se recomenda 

Pro bom freguês, eu digo o que é que ela tem 
Só de artigo, já contei, tem pra mais de cem 
Para vender, tem de tudo um pouco 
E vou dizer, nem que eu fique rouco: 

Tem seco e tem molhado, penico e mingau, 
Caderno Avante! ao lado, bico-doce e Melhoral 
Santim com oração, no telhado uma goteira, 
Espelho com moldura, fumo de rolo, ratoeira 

Balança Filizola, café, corda-de-alho, 
Tem goma e Maizena, cigarro a retalho 
Cocada, rapadura, bolacha e feijão, 
Cola de dentadura, sardinha e macarrão 

Batida, quebra-queixo, beiju e tapioca, 
Saquim de pipoca, farinha de mandioca 
Tem ovo pé-duro, tem queijo-de-coalho, 
Fatia de bolo, rosca e chocalho 

Rádio de válvula véi bem na prateleira, 
Tocando forró, música brasileira 
Dá notícia, matraca o dia inteiro, 
Manda recado até pro estrangeiro 

Pão-doce com refresco, mastruz e aroeira 
Dindim na geladeira, tem chá de erva-cidreira 
Cartão de telefone, todo tipo de bebida 
Tem piula do mato, pomada pra ferida 

Tem lanterna e vela, lamparina e candeeiro 
Tem colher de pau, urupema e papeiro 
Fubá, cuscuz, armador, punho-de-rede, 
Penca de banana e briba na parede 

Gato preguiçoso, muita teia-de-aranha, 
Caneca de alumínio, leite em pó, lata de banha 
Carvão e abanador, latido de cachorro 
Bombom, chiclete, tem pirulito Zorro 

Caixa de fósforo, botijão de gás, 
Tutano, mão-de-vaca, torreis e aguarrás 
Tem colchão-de-moça, Q-boa e queijada, 
Bolacha fogosa e lingüiça pendurada 

Tem breu e creolina, anilina e sabão 
Óleo de côco e pilha, cera e facão 
Guardanapo, barbante e chapéu 
Papel de lixa pra limpar o carretel 

Pente Flamengo, lápis com borrachinha, 
Pôster de time, seleção, a canarinha 
Mamadeira, maracá, carrim de plástico 
Ioiô, de baladeira tem de bom elástico 

Livrim de tabuada, tem sandália japonesa 
Folha de mulher pelada, no cromo uma beleza 
Vassoura, espanador, veneno pra formiga 
Enxada pra agricultor, remédio pra lombriga 

Tem mercúrio-cromo, Merthiolate de alcunha, 
Acetona, esmalte, serrinha, cortador de unha 
Sonrisal, naftalina, Cibalena, aspirina 
Pão sovado e semolina, manteiga e margarina 

Tem Vick-Vaporub, tem um bom rapé, 
Foguete, rasga-lata, traque pra arrasta-pé 
Tem tamborete, óleo de cheiro, sim, 
Brilhantina, pente, escova pra pixaim 

Tem pé-de-moleque, canjica e xerém 
Farinha de milho, açúcar, também tem 
Botão, dedal, grampo e fecho ecler 
Fluido de isqueiro, querosene Jacaré 

Faca amolada, canivete cego e marmita 
Batom, ruge, pó-de-arroz e laço-de-fita 
Agulha, linha, colchete, alfinete 
Pasta de dente, perfume e sabonete 

Buraco, paciência, uma mesa posta 
Pife-pafe, relancim, um baralho e uma aposta 
Tem jogo de dama, tem jogo de sinuca 
Roleta, jogo do bicho, sorteio de cumbuca 

Na bandeja a poeira, bebo bebendo tanto 
Cachaça com Coca-Cola, no chão tem a do santo 
No copo americano a cerveja não tem fim 
Um vale e um Cibazol, tira-gosto de toicim 

Tem cajá, limão, tem bacia de piaba 
Pimenta malagueta, tem e é da braba 
Com ela não exagere, aconselha o ancião, 
Demais é venenosa, oi-da-goiaba vira jogo-de-botão 

Verdura e legume, tem óleo a granel 
Como de costume, mosca no pastel 
Sarapatel, buchada e sarrabui, no sábado é de lei 
Panelada no domingo pra bebim dos zói vermei 

Corda de violão, carne seca no prato 
Pião, Bombril, gilete, barbeador barato 
Tem sal, tem colorau, tem doce caseiro 
Foice com bainha, biriteiro presepeiro 

Abestado e sabido, tem rico metido à nobre 
Atrevido e fingido, tem cabra pedindo à pobre 
Desocupado, aposentado, tem bacharel 
Malandro, trabalhador, tão todos no mel 

Na conta a confusão, um tabefe de canhoto 
Falta de educação, muito peido e muito arroto 
Pra quem quiser mijar tem lata atrás da porta, 
Pro barro derrubar o ambiente não comporta 

Amarelo empombado, com espinha e ameba 
Tem menino buliçoso com remela e pereba 
Sem papel e sem tostão, depende da ocasião, 
Tem poeta escrevendo é em cima do balcão 

Pois é boêmio, na verdade, e conhece a adição 
Quando busca no lugar a sua inspiração: 
Pra gente ter bodega, na vida é só somar, 
O amigo velho bar com o nosso doce lar!

(Foto: Acervo José Carlos Mororó)

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