Bodega
(Totonho Laprovitera)
O bodegueiro cochilando, tem bucho quebrado,
Ceroto no pescoço, mau humor e os zói trocado
Em todo canto, no interior, no litoral, até na Capital,
Como a bodega que frequento, não existe outra igual
Na fachada tem cartaz desbotado do calor,
Tem de presidente, senador, governador
De deputado tem estadual e federal,
Vereador, prefeito, cada qual é mais o tal
A calçada é baixa e a porta escancarada
O nome da bodega ta na placa estampada
Pendurada e com reclame de refrigerante,
Água mineral e de algum embriagante
Vende à vista e também em caderneta,
Só para troco é a grana da gaveta
E pra mau freguês, já bem cedo de manhã,
Na cartolina tem o aviso “fiado só amanhã”
Com ladrão o proprietário perde a estribeira
Tem pimba de boi, uma boa lambedeira,
E um jucá pesado, feito sob encomenda
Aí, é pisa grande, como bem se recomenda
Pro bom freguês, eu digo o que é que ela tem
Só de artigo, já contei, tem pra mais de cem
Para vender, tem de tudo um pouco
E vou dizer, nem que eu fique rouco:
Tem seco e tem molhado, penico e mingau,
Caderno Avante! ao lado, bico-doce e Melhoral
Santim com oração, no telhado uma goteira,
Espelho com moldura, fumo de rolo, ratoeira
Balança Filizola, café, corda-de-alho,
Tem goma e Maizena, cigarro a retalho
Cocada, rapadura, bolacha e feijão,
Cola de dentadura, sardinha e macarrão
Batida, quebra-queixo, beiju e tapioca,
Saquim de pipoca, farinha de mandioca
Tem ovo pé-duro, tem queijo-de-coalho,
Fatia de bolo, rosca e chocalho
Rádio de válvula véi bem na prateleira,
Tocando forró, música brasileira
Dá notícia, matraca o dia inteiro,
Manda recado até pro estrangeiro
Pão-doce com refresco, mastruz e aroeira
Dindim na geladeira, tem chá de erva-cidreira
Cartão de telefone, todo tipo de bebida
Tem piula do mato, pomada pra ferida
Tem lanterna e vela, lamparina e candeeiro
Tem colher de pau, urupema e papeiro
Fubá, cuscuz, armador, punho-de-rede,
Penca de banana e briba na parede
Gato preguiçoso, muita teia-de-aranha,
Caneca de alumínio, leite em pó, lata de banha
Carvão e abanador, latido de cachorro
Bombom, chiclete, tem pirulito Zorro
Caixa de fósforo, botijão de gás,
Tutano, mão-de-vaca, torreis e aguarrás
Tem colchão-de-moça, Q-boa e queijada,
Bolacha fogosa e lingüiça pendurada
Tem breu e creolina, anilina e sabão
Óleo de côco e pilha, cera e facão
Guardanapo, barbante e chapéu
Papel de lixa pra limpar o carretel
Pente Flamengo, lápis com borrachinha,
Pôster de time, seleção, a canarinha
Mamadeira, maracá, carrim de plástico
Ioiô, de baladeira tem de bom elástico
Livrim de tabuada, tem sandália japonesa
Folha de mulher pelada, no cromo uma beleza
Vassoura, espanador, veneno pra formiga
Enxada pra agricultor, remédio pra lombriga
Tem mercúrio-cromo, Merthiolate de alcunha,
Acetona, esmalte, serrinha, cortador de unha
Sonrisal, naftalina, Cibalena, aspirina
Pão sovado e semolina, manteiga e margarina
Tem Vick-Vaporub, tem um bom rapé,
Foguete, rasga-lata, traque pra arrasta-pé
Tem tamborete, óleo de cheiro, sim,
Brilhantina, pente, escova pra pixaim
Tem pé-de-moleque, canjica e xerém
Farinha de milho, açúcar, também tem
Botão, dedal, grampo e fecho ecler
Fluido de isqueiro, querosene Jacaré
Faca amolada, canivete cego e marmita
Batom, ruge, pó-de-arroz e laço-de-fita
Agulha, linha, colchete, alfinete
Pasta de dente, perfume e sabonete
Buraco, paciência, uma mesa posta
Pife-pafe, relancim, um baralho e uma aposta
Tem jogo de dama, tem jogo de sinuca
Roleta, jogo do bicho, sorteio de cumbuca
Na bandeja a poeira, bebo bebendo tanto
Cachaça com Coca-Cola, no chão tem a do santo
No copo americano a cerveja não tem fim
Um vale e um Cibazol, tira-gosto de toicim
Tem cajá, limão, tem bacia de piaba
Pimenta malagueta, tem e é da braba
Com ela não exagere, aconselha o ancião,
Demais é venenosa, oi-da-goiaba vira jogo-de-botão
Verdura e legume, tem óleo a granel
Como de costume, mosca no pastel
Sarapatel, buchada e sarrabui, no sábado é de lei
Panelada no domingo pra bebim dos zói vermei
Corda de violão, carne seca no prato
Pião, Bombril, gilete, barbeador barato
Tem sal, tem colorau, tem doce caseiro
Foice com bainha, biriteiro presepeiro
Abestado e sabido, tem rico metido à nobre
Atrevido e fingido, tem cabra pedindo à pobre
Desocupado, aposentado, tem bacharel
Malandro, trabalhador, tão todos no mel
Na conta a confusão, um tabefe de canhoto
Falta de educação, muito peido e muito arroto
Pra quem quiser mijar tem lata atrás da porta,
Pro barro derrubar o ambiente não comporta
Amarelo empombado, com espinha e ameba
Tem menino buliçoso com remela e pereba
Sem papel e sem tostão, depende da ocasião,
Tem poeta escrevendo é em cima do balcão
Pois é boêmio, na verdade, e conhece a adição
Quando busca no lugar a sua inspiração:
Pra gente ter bodega, na vida é só somar,
O amigo velho bar com o nosso doce lar!
(Foto: Acervo José Carlos Mororó)
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