Deu no Jornal Tribuna Ribeirão, de Ribeirão Preto, São Paulo:
“Bar, doce lar”
Bueno, cantor e compositor
“Bar, doce lar” é o título de um samba meu com letra de meu saudoso parceiro Sócrates. Eu cantava na noite e conciliava minha profissão de policial rodoviário com a música, daí não tinha o hábito de frequentar bares até minha amizade com o Magrão ganhar corpo. Ele sempre gostou, até porque era numa mesa de bar que ele se soltava e deixava sua timidez de lado. Nas noites em que estava inspirado, passava a mão numa caneta e num guardanapo e de repente, como que por encanto, nascia poesias e mais poesias que sempre presenteava quem estava a seu redor. Muitos amigos guardam suas poesias com muito carinho. Também foi na mesa de um bar, e quase sempre no Empório Brasília, que ele letrou muitas músicas minhas.
“Bar, doce lar” nasceu numa noite em que ele disse: “Buenão, hoje nem eu estou me reconhecendo, quero letrar aquele samba que você compôs, vamos homenagear os bares que tanto cultuamos.” Na letra ele diz que ali encontra os amigos, que é ali que a adrenalina se vai e devolve o “amar”, diz também que sem a alegria de um bar a vida parece secar. Quando ele escreveu este verso, brincou sorrindo: “Buenão, lembrei-me de Graciliano Ramos e seu livro ‘Vidas secas’ e o coloquei no nosso samba.”
Certa noite, estávamos ali no Empório Brasília e a clientela foi se despedindo, ficando numa mesa próxima dois gays muito conhecidos aqui em Ribeirão Preto. Eles brigavam e faziam as pazes num piscar de olhos. Eu e o Magrão ali, sossegados, só molhando a palavra e assistindo de camarote. Foi quando ele falou: “Buenão, vamos sentar com os dois briguentos???”
Naquele tempo não havia esta abertura geral de hoje. “Pô, Magrão”, retruquei, “não vai pegar mal, não, parceiro?”. “Mal por que?”, disse ele. Resolvi encarar, e olha que foi uma das nossas noites mais divertidas numa mesa de bar. Os dois muito cultos discutiam qualquer assunto e contavam coisas que antes nunca tinha ouvido. Por exemplo, entregaram pessoas conhecidíssimas da cidade que ninguém imaginava que fossem gays. Sócrates ria com as descobertas e dava corda pra eles mandarem ver. Aquela noite ficou na nossa história.
Quando começamos a frequentar o Brasília não havia farol de trânsito na esquina e era comum colisões no local, sendo que em alguns casos o veículo invadia a calçada. Daí a gente ficava mais à esquerda, até que Marcio mandou chumbar alguns trilhos de trem. Tirou-os quando os sinais foram instalados.
Lá em Fortaleza tem o Bar do Vaval, que é frequentado por poetas, artistas plásticos, compositores, cantores e a nata da boemia da cidade. Fagner vai sempre lá, e quando Sócrates ia visitá-lo era no Vaval que nosso cantor o levava. Dia desses meu amigo Totonho Laprovitera, que é tudo isso que escrevi acima, postou no Facebook uma foto do Bar do Vaval com alguns trilhos de trem no entorno da calçada. Perguntei a ele a razão e ele respondeu na hora: “Buenão, muitas batidas de carros na esquina, Vaval tinha que proteger os boêmios”. A foto com Vaval ilustra a esquina e seu bar (risos).
Num bar acontece de tudo. Vejam essa: Zeca Pagodinho, que todos sabem ser amante de bar, estava hospedado naquele hotel que fica na esquina da Álvares Cabral com a Rui Barbosa e deu-lhe vontade de tomar umas. Foi quando desceu até a portaria e perguntou ao recepcionista onde tinha um bar por ali. O cara disse que não tinha nenhum, imaginando que o sambista queria um bar chique.
“Mas não é possível”, disse Zeca. “Me contaram que Ribeirão tinha um bar em cada esquina, parceiro”. Daí o sujeito indicou um bar logo abaixo na rua Saldanha Marinho com a Rui Barbosa, dizendo ser muito simples. Zeca respondeu: “Pois é destes que eu gosto.” E saiu a pé mesmo, e surpreso ficou o dono do bar e sua clientela de torresmo e loiras geladas quando o artista entrou, sentou-se com alguns músicos em uma mesa e pediu sua cerveja predileta. Fotos desse dia histórico estão na parede. “Bar, doce lar”.
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com
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