sexta-feira, 29 de maio de 2015

A perereca


O odontólogo Charles Júnior resolveu organizar uma dinâmica mais célere e eficaz à sua clínica dentária, em São Paulo. Para tanto, estabeleceu um formato empresarial ao modo de linha de atendimento de saúde. Agora, ao chegar, o paciente tira uma senha, aguarda a sua vez de ser encaminhado para o setor de anamnese, para estabelecer uma avaliação e diagnóstico e ser encaminhado para o procedimento clínico. Todo esse fluxo, certamente, tem agilizado o curso de atendimento às exigências legais e terapêuticas, gerando um aumento no fluxo de caixa.

Pois bem, recentemente, cedo da manhã, um sujeito de forte compleição física chegou à clínica para cuidar dos dentes. Cheio de cáries graves, necroses pulpares e gravidades periodontais, a boca do indivíduo parecia mais uma capoeira, de tanto toco espalhado pelas gengivas. Após demorados e insistentes confabulações com o corpo clínico de plantão, o dito-cujo conseguiu convencer aos odontólogos a extração de todos os seus dentes.

Porém, havia um detalhe. Ele não poderia atender a uma programação de agenda para extrair os dentes em diferentes datas, pois residia no distrito de Primavera, no município de Rosana, localizado no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do Estado de São Paulo, na divisa dos Estados de Mato Grosso do Sul. Quer dizer, na cidade mais distante da capital paulista, dentro do Estado de São Paulo.

Ora, resolvido a não acumular dificuldades e a decidir tudo na hora, Dr. Charles Júnior pegou o boticão e os demais instrumentos para amolecer e arrancar dentes e lançou a solução para o paciente:

- Como é que o senhor quer que façamos as extrações?
- Doutor, pode ser tudo hoje?
- O senhor tem certeza e disposição para isso?
- Claro que tenho!
- É isso que o senhor quer?
- Sim, é isso que eu quero!
- Pois, então, vamos lá.

Dr. Charles Júnior preparou a assepsia do campo operatório, aplicou-lhe anestesia local, e iniciou a exodontia. Após o dia inteiro para a extração dos 32 dentes, dezesseis em cada arco dental, com a fala frouxa, o já banguela perguntou:

- Doutor, posso me ver?
- Claro. Entregando-lhe um espelho, respondeu.
- Mas, doutor, minha boca tá parecida com uma goiaba!
- Pois espere ela ficar de vez para pôr uma dentadura postiça.
- Como?
- Uma perereca!
- Pra economizar, doutor, a minha esposa tem uma que mal usa. Posso usar a dela?
- Bem, se ela for asseada...

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