sábado, 26 de maio de 2012

Ronda Intemporal de Fortaleza, de Luciano Maia

"Totonho, segue a Ronda Intemporal.
O autor, aqui, terá sido um seresteiro dos anos 1910...
Como você pode ver, antes as ruas ostentavam nomes de paisagens, acidentes geográficos, flores, até as horas do dia, enfim...
Tudo mudou. Mas o Recife continua com a suas ruas como antigamente: Rua da Hora, Rua da Aurora, Rua da Boa Vista e muitas outras.
Grande abraço
Luciano Maia"



Ronda Intemporal de Fortaleza
(Luciano Maia) 

Que nem a palma da mão 
conheço a minha cidade 
da Rua da Soledade 
até a São Sebastião. 
Singlehurst, nome tão 
estranho à nossa linguagem 
é rua de vadiagem 
de encrencas e de discórdia; 
Rua da Misericórdia 
outra diversa paisagem. 

Esta nos reconta a história 
de vibrarmos de emoção 
desde a Confederação 
daqueles tempos de glória. 
Tem a doída memória 
dos heróis ali tombados 
cruelmente fuzilados 
junto à ladeira do forte. 
Esta rua é um recorte 
daqueles tempos passados. 

Desci à Rua da Praia 
subi a duna de areia 
que o vento do mar penteia 
sob um luar de cambraia. 
Conversei com o Mestre Maia 
o fazedor de navios; 
seus olhos são como os rios 
só desejam ir ao mar. 
Muita história que contar 
tem esse nauta escocês 
que aqui aportou de vez 
pra do mundo descansar. 

 Subi a Rua Formosa 
até em frente à varanda 
daquela que finge e anda 
a dirigir-me uma prosa. 
Já sei que seu nome é Rosa 
pois ouvi no Cajueiro 
cumprimentá-la, ligeiro 
a mulata Beatriz 
da Rua do Chafariz 
filha de Antero Ribeiro. 

Cantei-lhe duas canções 
inventadas por Catulo 
e inda achei de dar um pulo 
no Mercado dos Pinhões. 
Ali fazem-se os serões 
a partir da esquina nova. 
Para mim, é uma prova 
de amor à minha cidade 
cantar com quem tem vontade 
vontade que se renova. 

Inda fomos ao Garrote 
tomamos banho de mar 
cantou-se a não mais parar 
o amor foi sempre o mote. 
Ela e eu fomos de bote 
ao Pajeú, na outra margem. 
Naquela mansa barragem 
nos banhamos de poesia 
e até quase o vir do dia 
foi bela a nossa viagem. 

Já namorei em sigilo 
o que é um privilégio 
lá na Rua do Colégio 
e lá na Praça do Asilo. 
Uma, filha do Murilo 
é donzela e casadoura 
a outra uma sedutora 
mulata, mora defronte 
ao fim da Rua da Ponte 
e é muito namoradora. 

Dia de céu nevoento 
na Rua do Seminário 
planejei o itinerário 
após o entretenimento: 
da Rua do Livramento 
vou à Rua do Paiol 
depois à Rua do Sol 
chupar uns cajus vermelhos. 
Sigo à Rua dos Coelhos 
sem precisar guarda-sol. 

Entrei na Rua do Fogo 
era o começo da noite 
o vento dava de açoite 
já o sol em desafogo. 
Era um domingo de jogo 
no salão do Pascoal 
na Rua Municipal 
me aguardava a dona Teia 
que na Rua da Assembleia 
tem seu café que é o tal. 

Na bela Rua das Flores 
me avistei com a normalista 
que resida à Boa Vista 
por quem suspiro de amores. 
À noite, em meio aos cantores 
da Rua do Patrocínio 
canto também, tomo vinho 
e volto à Rua da Palma 
onde sacio a minh’alma 
se ali a encontro a caminho. 

Numa tarde de neblina 
um domingo de aquarelas 
passei da Rua das Belas 
à Praça da Carolina. 
Insistia a chuva fina 
já se ia findando o dia 
e na Rua da Alegria 
como um rio em corredeira 
demandando a Pitombeira 
vão-se as águas da coxia. 

Junto à Rua do Quartel 
não fui preso por um triz. 
Corro à Ruja da Matriz 
ver o circo e o carrossel. 
Escapei do coronel 
e fugi para cantar. 
Então entrei a pontear 
o violão nas horas mortas 
dormi na Rua das Hortas 
em casa da Lucimar. 

Outro dia (terça-feira) 
não tendo nada a fazer 
decidi ir percorrer 
os subúrbios de poeira. 
Numa rua prazenteira 
deparei com um janota. 
Tinha um jeitão idiota 
de nouveau riche, o ricaço 
dono do maior espaço 
que há na Rua da Aldeota. 

Perambulei como pude 
senti da brisa o afago 
subi a Rua do Lago 
desci a Rua do Açude. 
Que esta ronda me ajude 
a cumprir todo o roteiro: 
da Travessa do Outeiro 
até a Rua da Trindade 
já correu meia cidade 
a fama do seresteiro. 

Saí da Rua do Norte 
e atravessei o riacho: 
Rua do Córrego – eu me acho 
menestrel de muita sorte. 
Cantador tem que ser forte 
cantar prazeres e dores. 
Na Rua dos Mercadores 
digo a canção mais sentida 
em louvação da querida 
cidade dos meus amores.

2 comentários:

  1. É realmente uma ronda antiga pelas ruas de Fortaleza.
    A bucólica Fortaleza daquele então.

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  2. É realmente uma ronda antiga pelas ruas de Fortaleza.
    A bucólica Fortaleza daquele então.

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