Cearense de Itapajé, José Quintino da
Cunha (1875-1943) foi um advogado, escritor e poeta cearense. Bacharelou-se
pela Faculdade de Direito do Ceará em 1909 e, a partir de então iniciou-se no ofício
de advogado criminalista. Foi deputado estadual na década de 1910, mas logo abdicou
da carreira de político e chefiou a campanha do Bode Ioiô para vereador de Fortaleza,
fazendo o animal ter votos suficientes para ser eleito, caso possível fosse.
Quintino Cunha.
Quintino Cunha tornou-se bastante popular
por seu estilo irreverente, carismático, e pelas anedotas que contava. É tido
como o mais lendário de nossos humoristas literários e o maior de nossos poetas
urbanos.
Excêntrico sem ser esnobe, feio, mas
cativante, eternamente esquecido, no entanto continuamente resgatado, figura ao
lado de grandes mestres do improviso literário ferino, sendo considerado por Agripino
Grieco, grande crítico literário carioca, como "o maior humorista brasileiro de todos os
tempos".
Menino, ainda, Quintino Cunha foi
convidado a passar uns dias das suas férias na casa de dois coleguinhas de
colégio. Convite aceito, viajou até a casa combinada onde deveria
hospedar-se por alguns dias, com os convidantes anfitriões. Lá chegando, não
encontrou os colegas que haviam viajado para outro destino, sem deixar recado.
As tias idosas dos meninos, donas da casa, convidaram-no a ficar e aguardar a
chegada dos seus sobrinhos. Quintino não se
fez de rogado e ficou, aceitando o convite. À noite não lhe ofereceram jantar e
nem café ou almoço no dia seguinte. Matando a fome com as
fruteiras do quintal, resolveu ir embora dali e o fez, deixando um bilhete
sobre a mesa:
"Adeus casinha da fome.
Nunca mais me verás tu.
Criei ferrugem nos dentes
E teia de aranha no
cu."
Já célebre advogado, a fama de
Quintino Cunha era grande no Nordeste. Tinha havido um crime no interior da
Paraíba, onde pai e filho assassinaram um adversário político. Para
defendê-los, convidaram o célebre causídico. Este fez a defesa com muita
propriedade conseguindo a absolvição dos réus. A cidade fez festa de
comemoração pela semana, hospedando Dr. Quintino no melhor hotel. Sua fama
correu rápida por todo o município e o feito atingiu proporções. Daí, surgiu no
hotel um humilde casal dos sítios afastados. O marido dirigiu-se ao advogado
expondo-lhe o desejo de um desquite, em face dos desentendimentos do casal. Dr.
Quintino então perguntou-lhe se este possuía algum bem, alguma propriedade.
- Não doutor, eu
nada pissuo e trabalho alugado, em sítios alheios.
Virou-se para a esposa e fez-lhe idêntica
pergunta, vindo a resposta:
- Doutor, pra que
a verdade lhe seja dita eu ainda tenho menos que ele.
Então, Dr. Quintino respondeu-lhes em
versos:
"A questão é muito
tola!
Aqui mesmo, eu os desquito.
Fique ele com sua rola
E ela com o seu
priquito."
Conhecido e até hoje contado pelos
frequentadores da Praça do Ferreira, o causo da defesa do deficiente físico
conhecido apenas como Francisco, apelidado de "Chico Mêi Cu", foi uma
das mais famosas proezas de Quintino Cunha.
Conta-se que nos idos anos 20, um
pobre deficiente físico, sem pai nem mãe, sem eira nem beira, mancava pelas
ruas do Centro da pequena Fortaleza, onde fazia os biscates que
lhe davam o pouco para o sustento. Encabulado, quieto e calado, aparentava não
dar importância ao canelau que mangava à sua passagem: "Chico Mêi
Cu!", "Chico Mêi Cu!", "Chico Mêi Cu!". Foram anos de
chacotas.
Certa feita, num ato de fúria,
Francisco fez uso de uma peça perfil-cortante que transportava, e ceifou a vida
de um de seus mais ferrenhos mangadores. Foi detido e de imediato levado à
cadeia pública, onde ficou por um tempo aguardando julgamento.
No dia do juízo, atendendo às súplicas
dos que rogavam pela libertação de Francisco, em defesa deste, fez-se presente
diante do Júri o renomado advogado Quintino Cunha. Após as interlocuções pujantes
da promotoria, que exigia condenação com pena máxima para o réu, o Juiz deu a
vez da defesa, à qual Quintino deu início:
- Meritíssimo
Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, Respeitabilíssimos Jurados. Em defesa de
Francisco eu tenho a dizer que...
Após alguns segundos de pausa, ele
repetiu:
- Meritíssimo
Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, Respeitabilíssimos Jurados. Em defesa de
Francisco eu tenho a declarar que...
Após os novos segundos de pausa, ele
tornou:
- Meritíssimo
Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, Respeitabilíssimos Jurados. Em defesa de
Francisco eu poderia falar que...
De pronto o Juiz esbravejou:
- Mas quanta
demora! O senhor irá ou não dar início à defesa?!
Quintino replicou:
- Repare só,
Meritíssimo: Não faz sequer um minuto que eu só me dirijo a vós de forma respeitosa,
e já provoquei vossa inquietação. Agora, imagine Vossa Excelência, o que deve
ter passado pelas ideias do pobre Francisco, após todos esses anos de
achincalhamento e mangoça pública.
Seguindo, com toda a facúndia e poder
de convencimento que lhes eram
peculiares, Quintino Cunha deu continuidade ao discurso de defesa e obteve a absolvição
do réu. Saiu do tribunal carregado nos braços por seus amigos, rumo ao botequim
mais próximo.
Hoje, a maioria dos cearenses não sabe
quem foi Quintino Cunha. Nem mesmo os moradores do bairro que leva o seu nome o
conhecem. Por isso, é importante contarmos estas histórias,
para que a memória do precursor da molecagem cearense não caia no esquecimento.
Viva a irreverência cearense! Viva
Quintino Cunha!
Enviado pela Fernanda Lapovitera.
Sr. Totonho Laprovitera... Parabéns pela a postagem, continue pois sou fã do blog laprovitera.
ResponderExcluirEm um lugar de trocistas por natureza, que de senso comum denominava-se, desde o século XIX, Ceará Moleque, Quintino tornou-se ícone da irreverência, marca registrada do nosso povo.
ResponderExcluirEsta alcunha é que batiza o livro em sua homenagem, de autoria de Plautus, seu filho, onde lê-se muitos causos deliciosos como os acima relatados.
Muito pertinente à nossa identidade e ao resgate dela, esta tua publicação.
Parabéns!