quinta-feira, 31 de outubro de 2019

FILÓSOFO DA MERUOCA

Olha, uma das melhores galinhas à cabidela era, sem dúvida alguma, a que eu costumeiramente comia na bodega do João Raul, na Serra da Meruoca. 


Pois bem. Certa vez, lá eu estava com o amigo Luiz Pontes traçando uma daquelas penosas, quando espiamos bastando ao balcão da casa o célebre filósofo daquele pedaço de chão: Toim da Meruoca!

Trajando a sua habitual e alva indumentária de pensador sertanejo, acudia-se do sol com o seu boné de sotaque inglês – presente do finado doutor Paulo Sanford – e óculos de carregadas lentes escuras em armação graúda – deixa do saudoso Zé Saboya. Pitando um palha, pediu uma lapada de cachaça, ofereceu a do santo e de uma golada só entornou o resto. De tira-gosto, só mesmo a passada de mão nos beiços. 

Aí, Luiz pediu para convidá-lo à mesa. Convite feito e aceito, cumprimentamo-nos e com ele já abancado, tacamo-nos a conversar:



- E aí, Toim, quais são as novas. – perguntou Luiz.
- Doutores, o mundo está ficando cada dia mais besta! E só tem um jeito para a salvação da humanidade. – respostou.
- E qual é? – tornou a indagar. 
- É caçarmos o real entendimento do tempo, pra começo de conversa.
- Como seria isso? – indaguei.
- Espie que o tempo não corre em uma única linha de anavantu e anarriê. Ele se espalha feito fogos de São João no céu do universo. É o mistério da eternidade...

Conversa vai, conversa vem, perguntamos sobre as riquezas de um povo.

- Doutores, primeiro de tudo, eu só boto fé em quem dá valor à sua cultura. Pois só assim se forma uma civilização. Agora, o fogo, o sal, os metais preciosos, os tesouros e as mercadorias, já valeram como riquezas de uma nação.

- E hoje? 
- Hoje, é a informação. 
- E no futuro?
- No futuro será a poder do tempo, a única moeda que não tem volta, não se recupera. Será o grande patrimônio de um torrão... 
- E vai parar por aí? 
- Não, pois o tempo não para! Depois, como “Senhor da Razão” que é, o tempo dará lugar ao afeto, esse sim, a maior riqueza da humanidade! O povo afetuoso terá uma abastança tão grande, mas tão grande, chega se não comprar a felicidade, vai trazer ela bem pra perto! 

O silêncio reinou, o horário parou e o filósofo Toim da Meruoca se despediu dizendo: - “Dá licença, doutores, que agora eu vou aproveitar essa jipada, pois ainda tenho um mote a tratar com um bando de meditação matuta na bodega do Antoim Baixim, bem ali no São Braz”. 

Pois é, como diz o filósofo, "pecunia opus ad potentes, divites pauper superbiae". Quer dizer, "os medíocres necessitam de dinheiro para serem ricos e arrogância para serem poderosos."

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

PODEROSA DRA. MEDEIA

Não tem quem possa com a pose da Dra. Medeia! Importante que só, não abre mão de cumprir sua lotada agenda pessoal. Em seus abonados dias de “virose”, “enxaqueca” ou “labirintite”, dizem, um é no salão de beleza pra cuidar dos cabelos e das unhas, outro é na depilação pra fazer a encruzilhada, aí tem as compras nas lojas de departamento e boutiques da moda, passeio no shopping da vez, merenda na padaria chique e por aí vai. Só quer ser as pregas. 

Na repartição onde trabalha, a vaidosa Dra. Medeia é a mandachuva! Respeitada e admirada por seus fiéis subordinados, se encastela em sua sala e tome conversa ao telefone! Afinal de contas, ela faz questão de estar com as fofocas em dia! 

Dra. Medeia se diz sem tempo para quase tudo! Portanto, quando decide enfrentar o corrido e pesado expediente de labuta, na correria, despacha apenas o que lhe apetece. Atendendo à austeríssima peneira, só recebe a quem lhe for do seu interesse. 

Há um bom tempo, Sitônio da Parangaba vem tentando resolver uma questão sua no juizado da poderosa Dra. Medeia. Após esperar a resolução do pleito há seis longos anos, o resignado cidadão mendiga a boa vontade da autoridade para assinar o já deliberado documento. Aí, ao pé do balcão de atendimento, depois de um “bom dia” ou “boa tarde”, o diálogo sempre assim se repete: 

- O senhor é parte ou autor da questão? 
- Parte interessada. 
- Qual o número do processo? 
- Este. – apontando uma folhinha de caderneta. 
- Um instante, vou consultar. 
- Grato. 

Depois de alguns minutos: 

- Pronto, ele está concluso. 
- E o que falta? 
- A doutora emitir o alvará. 
- E quando ela vai emitir? 
- Quando ela assinar. 
- E quando ela vai assinar? 
- Ah, aí eu não sei, mas, é assim mesmo. Todo processo demora. 
- Êita, né sendo avexado, não, mas, é que a causa já foi julgada, ganhei, fiz acordo, a outra parte não honrou... 
- Sei, sei... 
- Posso falar com ela? 
- O senhor é advogado? 
- Não... 
- Pois peça para seu advogado vir aqui que a doutora só recebe advogado. 
- É, tá difícil... 
- Mas, vou fazer o seguinte: vou deixar o processo na mesa dela. 
- Mais uma vez... – pensando, em silêncio. 
- É o que eu posso fazer. – continuou. 
- Tá bem, obrigado... 

E, mais uma vez, cantando Amor Febril, lá se foi o humilde Sitônio embora...

terça-feira, 29 de outubro de 2019

NA RADIOLA

Nos meus tempos de criança, lembro bem de uma história engraçada que contava o seguinte. Em uma festa modernosa, na radiola tocava o único disco da casa. Na mesma levada, em voz de taquara rachada, o arranhado elepê repetia: - “Papacu, papacu, papacu...” 

Aí, exaustos por tantas repetições, os reclamantes imploravam: - “Vira o disco, maestro!” 

O “maestro” ria e, sem desligar o aparelho, levantava o braço da agulha e virava o puído vinil, que tacava a tocar: - “Cupapá, cupapá, cupapá...”

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

CHICO ALEIJADO

“Não faço conta de tesouros que as traças e a ferrugem roam.” (Francisco Paraplégico) 

São muitas as histórias de Chico Aleijado, saudosa personalidade que se fez patrimônio histórico da cultura imaterial de Iguatu. Em Orós, lembro de duas. 

Uma delas foi quando Chico, com aquela angústia de ressaca braba ouviu do gentil Eliseu: - “Chico, bora tomar uma que mais tarde tem forró.” Chico mirou o amigo e respondeu: - “Eliseu, muito obrigado, mas não estou aguentando mais cachaça e eu não danço.” 

Outra, foi em uma programação no Tuninho. O acesso para o lugar é bem íngreme, coalhado de pedras e as cervejas eram carregadas em uma bacia de flandres. Na volta, alguém sugeriu assentar Chico na bacia, soltá-lo no rio e irmos esperá-lo lá na ponte. Outro teve a ideia de amarrá-lo em uma corda, soltá-lo no rio e o pegarmos mais a frente, onde o chão era plano. Também não quis! Discordando veementemente das alternativas dadas, descompôs todo mundo e sobrou para Zé Wilton subir a ribanceira com o cevado, lambido e liso amigo na cacunda.

domingo, 27 de outubro de 2019

AJUDA PRO ALUGUEL

Aconteceu na cidade de Sobral, no Ceará. Em uma alinhada festa de aniversário, dona Oudaleia foi abordada por Jajá, amigo de adolescência, hoje um comerciante muito bem sucedido na região, que já havia entornado todas: 

- Oudaleia, Oudaleia... Dadá, da nossa época, você era a mulher mais bonita de Sobral... – declarou-se. 
- Arram... – de boca cerrada e olhando para as próprias sobrancelhas, respondeu Oudaleia. 
- E eu... Bem, eu era muito, mas muito apaixonado por você... – com a voz toda melosa. 

Benjamin, esposo da cortejada senhora, ao lado, espiando e escutando a arrumação daquela declaração de amor recolhido, nada falou e decidiu esperar até onde iria a ousadia do galanteador. Aí, bastante lisonjeada e em meio à embaraçosa situação, Oudaleia apresentou um ao outro: 

- Benjamin, Jajá. Jajá, Benjamin. 
- Benjamin, muito prazer. 
- Jacinto Pinto Aquino Rego... 
- Vixe... 
- Mas pode me chamar de Jajá. 
- Jajá é melhor, né? – rindo. 
- Serafim... 
- Benjamin. 
- Ô, desculpe. Benjamin, eu vou lhe revelar uma coisa e espero que você não fique com ciúme, viu? 
- Viu. 
- Tudo bem? 
- Desembucha. 
- Bem, quando era pixote, mais liso do que muçum ensebado, eu paquerava com a Dadá, mas não tinha a menor condição de chegar nem perto dela. 
- Era, nera? 
- Hoje, muito bem de vida, confesso que se ela não fosse casada eu me candidataria à marido dela! 
- Jajá, não leve a mal, não, mas diante dessa declaração, tem como você liberar uma ajuda pro aluguel?!

sábado, 26 de outubro de 2019

AVENIDA DE MUCURIPE


Deu no jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, em 1952: 


"Empreendimento de alta significação, constrói-se em Fortaleza, uma grande artéria urbana, a Avenida de Mucuripe. A bela capital cearense contará em breve para gáudio de sua ordeira população com a maior artéria urbana, jamais construída em qualquer cidade do Norte do pais." 


(Fotos: A Noite)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

DANAÇÕES DE ANTIGAMENTE


Na Sobral do começo dos anos 60, o danadíssimo menino Kiko Paula Pessoa pegava bochecha no trem da linha férrea para Fortaleza e, quando passava pela Ponte Othon de Alencar, ele subia na capota de um dos vagões da composição e saltava sobre a linha de alta tensão, tibumgando em espetacular tainha nas águas invernosas do Rio Acaraú!

Pois bem, sobre a proeza, quando enredaram à dona Didita – santa mãe do pestinha – ela deu uma agonia e foi um deus-nos-acuda!

(Foto: Google)

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

FRANKENSTEIN OU O PROMETEU MODERNO


Considerada a primeira obra de ficção científica da história, “Frankenstein ou o Prometeu Moderno” é um romance de terror gótico com influências do movimento romântico, de autoria da escritora britânica Mary Shelley (1797-1851), quando ela tinha apenas 18 anos. 

Até hoje a história continua despertando interesse aos que se interessam pelos limites da invenção humana. Obcecado pela criação da vida, Victor Frankenstein saqueia cemitérios em busca de peças de cadáveres para construir a sua criatura. Mas, quando o bizarro ser ganha vida, é rejeitado por Frankenstein e parte com tudo para aniquilar seu criador.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

IDEIAS

Hannah Arendt em um retratao tomado em 1949.

“Nós todos sabemos que vamos morrer, entretanto sabemos que não nascemos para morrer, nascemos para continuar.” (Hannah Arendt)

Nascida Johanna, Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa política alemã de origem judaica, das mais importantes do século XX.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

TEMPO VELOZ


Kartódromo Cesar Cals, Fortaleza, 1981. Manoel Macedo (com o filho), Tom Barbosa, Hybernon Cysne, Elano, Lucinho Carneiro, Marcos Rola, Inácio Barreira, Hiderlandson Peixoto, Alexandre Romcy e Ricardo Studart. 

(Foto: Acervo Roberto Costa)

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

PRAIA DO PEIXE


PRAIA DO PEIXE

Totonho Laprovitera

Olhos de ressaca quebram em ondas
na beira dos sonhos da Praia do Peixe
Em tantos vaivéns, derramadas na areia,
as marés não apagam o que nela marcou

Sinuosos desenhos de corpos despidos,
tatuados de amor e muitos prazeres
Saciados desejos de todos os sentidos
vivem nas memórias de luas, de sóis

Enquanto se espia o tempo passar,
sorrisos se estampam na boca da noite
A dona insônia decifra mistérios,
espalha guardados segredos de quarto 

Imagens tão vivas tecem universos,
sinais de saudade e de solidão
Amantes se acham pelas madrugadas,
suspiram e juram infindas paixões

Ah, vida viajante, nos faça brilhantes
nos céus de oceanos, estrelas do mar
Que neste mundo sejamos pra sempre
o que já nasceu para nunca morrer