domingo, 30 de dezembro de 2012

O Diário de um Delegado Plantonista - O fim dos tempos

Por Cícero Túlio



Plantões e mais plantões e lá estou eu no inferninho da zona norte... O 18º continua com suas ocorrências mais rotineiras. Os famigerados Marias da Penha não acabam. De igual forma, as brigas entre vizinhos. Os mesmos bêbados vão reaparecendo no DIP, oportunidade em que aproveito o ensejo pra pedir que deem uma geral nas celas, afinal, definitivamente são suas casas. O tráfico na zona norte reduziu consideravelmente, resultado das dezenas de operações realizadas na região, porém, os usuários continuam dando trabalho pro projeto “Te muda galeroso”. O projeto tem dado resultados, mas o ombro do coroa ta indo pro saco. Como me disse certa feita o 01 da turma: “Desse jeito é o coroa que vai se mudar”.

Os índices de homicídio na nossa Red Zone também diminuíram. E as diligências de encontro de cadáver que eu tanto gostava agora só me levam a cornos dependurados e defuntos de morte natural. Aliás, não sei pra que banana me chamam pra verificar se foi morte natural... E eu lá sou médico legista.

Outro dia lá vai o delegado verificar a ocorrência ou não de morte natural. Ao chegar do lado de fora da residência, antes mesmo de entrar, eis que já dou o meu parecer. ”É morte natural!”. ”Como, doutor? Se o senhor nem olhou o cadáver”, me perguntaram os familiares. No pensamento respondi: “Porra, e eu lá vou entrar nesse muquifo pra ver defunto. Daqui de fora já tá um fedor do carai, imagina lá dentro. Mas, aí tem que rolar aquele migué: “Amigos, a nossa experiência revela que casos como tais, onde não se verificam vestígios de arrombamento e nos quais se evidenciam históricos de doenças crônicas, conduzem ao entendimento de que possivelmente se trata de morte natural”. Porra nenhuma! Não tava mesmo querendo entrar naquela zona! Acataram a resposta!



Retorno à VTR e peço a Magayver para passar o rádio pro Gigante informando da situação. O Gigante retorna solicitando informações da identificação do defunto. "Puta que o pariu", pensei, ”Alguém vai ter que entrar naquela bagaça pra pegar a identidade do véi”. Ao olhar pro cana ao lado, o mesmo já começou a dar sinais de que se fosse adentrar o recinto iria gofar feio! Também, não podia transparecer que estava com nojo. O jeito foi meter pé na porta. Ao ingressar no quarto a cena foi do filme: “À espera de um milagre” (aquele filme que tinha um crioulo que abria a boca e saia mosca pra cassete!). Rapaz, era tanta mosca, que eu achei que aquele negão estava escondido em algum lugar com a porra da boca aberta!

Na cama, empacotado, lá estava o sabão, digo, o defunto. O miserável já estava em avançado estado de decomposição, já todo ensaboado. Procuro rapidamente por algum documento jogado no local, olho em cima de um aparelho de DVD e la está o RG do coroa. Pra minha surpresa, o documento se encontrava ao lado da capa de um filme. Não pude deixar de lembrar do colega titular, era o DVD da Jú Pantera! Porra, ainda bem que o parceiro não achou esse DVD naquele dia!

É tanta miséria que Delegado vê, que não tem como não pensar que estamos próximos do fim do mundo. Mas, delegado às vezes tem que ter um bom coração. Dar conselhos aos populares pra que eles achem que o fim não está tão próximo. Aconteceu com o Dr. Olavo Mozer. Em um dos seus plantões, a PM apresenta um caso de violência doméstica. O malandro tinha quebrado a mulher toda na porrada. Daí, vale aquela velha filtragem... Enquanto o cabra contava o caso o delega lacrimejava... Há cerca de uma semana, a vítima insistia para ir ao show de Jorge e Matheus. O marido relutante a negava, mas, diante de tanta insistência, o chapéu de boi lhe concede o “vale nigth”. Diante da felicidade da esposa, o infeliz decide lhe fazer uma surpresa. Quando ela chegasse em casa ele iria lhe dar amor com direito a velas, incensos e tudo mais. Mas, as coisas não aconteceram como o cara desejava. A dona chega em casa toda manhosa e atende ao pedido do varão: “Agora deite que eu quero lhe usar!”. Só não esperava que no interior das partes íntimas da sua donzela, lhe esperava um preservativo usado... A sensação deve ter sido a mesma da torcida da Itália na Copa de 94, quando Baggio chutou pra fora: Uhhh... Ou, melhor: Filha da puta!!!

Sensibilizado, a autoridade Policial aconselhou: “Pense no lado bom...  Pelo menos ela se protegeu! É sinal que gosta de ti!” Puta que pariu! Era melhor o parceiro Olavo ter ficado calado. O bom foi que aliviou na fiança. Menos mal... Sobrou dinheiro pra um porre!

Mas, de fato a diversidade de ocorrências e multiplicidade de casos dão sinais de que a zorra, se não tá pra acabar com o mundo, tá pra acabar comigo! A vitória do Corinthians no mundial já anunciava o fim do mundo. Estava de plantão no dia e assim que cheguei na Delegacia já estava instalado o caos. Três apresentações simultâneas logo às 08h da matina é sacanagem! Quando entrei na Delegacia, já pensei: “Os desgraçados dos maias, incas ou sei lá o que, erraram na porra da previsão do fim do mundo... A zorra vai acabar é hoje!!! Enquanto sondava as apresentações, percebi que o infeliz quando coloca o uniforme daquele time, automaticamente, vira paulistano: de um lado um pernambucano falava: “Eu não tava fazendo nada, ô meu”; do outro, um baiano reclamava “Mano, eu tava esperando o buzão aê”, e pra finalizar um gaúcho relinchava: “Véio, a treta só rolou porque os bota alopraram”... Putz, aquele palavreado já tava me deixando enjoado. Juntei os moleque tudo e falei: “Cês são tudo mano, né? Então, vão tudo tomar no olho do cu! Cambada de fdp! E quem falar aí, vai cair na ripa!”. E não é que teve ainda um folgado que cochichou: “Nóis tá tudo sussa, mano, ow”. Ahh, pensei, "Vai dá meia hora de bunda"!

É, nessas horas que o projeto “Te muda, galeroso” tem dado resultado. Há algumas semanas fiz uma viagem à Bahia e me substituiu um cana Piauiense! Antes de viajar, reuni a equipe e falei: “Pessoal, o parceiro que tá vindo é gente boa, mas vamos maneirar ai no “Te muda, galeroso”, pra não assustar o irmão”. Os cana tudo concordou: “Tranquilo, doutor... Nem se preocupe!”. E eu acreditei. Pouco tempo depois do meu retorno, eis que encontro o expresso que me substituiu e na conversa o parceiro fala: “Ei, rapaz, arrancaram o dente de um cara lá, velho.. Os puliça lá tão muito arisco, pô!”. Segundo versões extraoficiais, o “Fada-do-Dente” Gilvan havia feito um acordo com o vagabundo: “Meu irmão, tu vai dar o teu nome e o de tua mãe certinho... Se tu mentir, vai dar um trabalho da porra pro escrivão... Aí, se der o nome errado, vai cair no pau!”. Eu não sei porque, tem vagabundo que ainda dá o nome errado depois de um papo desses! Aí, meu irmão, o jeito foi dar um “Haduuuuken” do Ken (Street Figther). Só que o golpe foi tão bem aplicado, que o infeliz do preso largou um “Yoga Fire” do Dhalsim (só quem jogou street figther entenderá). Só que ao invés de gofar fogo, cuspiu foi um dente!

Mas, o malandro era tão alma suja que depois agradeceu ao “Fada-do-Dente” por lhe fazer economizar 50 contos que iria ter que pagar pra extrair o canino!

Às vezes, o “Te muda galeroso” é necessário. Tem muito malandro cara-de-pau! Meu ombro que o diga! Outro dia participei da “Operação Centopeia”. Preferimos pegar o alvo levantado pelo próprio 18º! O pombo sujo era tão folgado, que vendia drogas a 100 metros da delegacia. Pela folga do cara, decidimos mudar o nome da operação de centopeia para “senta a peia” (peia = porrada). Resultado: um casal de soropositivos em cana e uma quantidade razoável de drogas e munição apreendida.

Não sei se foi sorte ou azar eu ter trabalhado no último dia do mundo. Juro que cheguei a achar que tudo ia se acabar. Durante o dia, uma maravilha. Confraternização com o povo do DIP. Até eu que nunca tinha ganhado nem em bingo de ação de graças, fui sorteado e ganhei um globo meio gay com aspecto de giroflex, contendo entrada USB e rádio FM. Tava muito bom pra ser verdade, mas, à noite, aquele inferninho. Primeiro, a PM apresenta cerca de 40 menores que haviam marcado pra se digladiarem pelo Facebook. Os infames eram cada um mais feio do que o outro. Tinha um miúdo com um cabelo que no conjunto o fazia parecer com a Cuca do Sítio do Picapau Amarelo. Conseguimos identificar alguns como maiores e encaminhamos o restante à Delegacia do Menor Infrator. Dos males, o menor!

Após a meia noite, o DIP deu uma paralisada. Fui pro gabinete, olhei meus e-mails, aproveitei pra despachar os B.O´s e quando eu já me preparava pra relaxar no “recanto do guerreiro” o Ce-Cesar (dizem que é gago - mas é cana dura!) bate na porta: “Me-mestre, che-che-chegou uma apreee-senta-tação da PM ai”... Puta merda... 4h da manhã é foda! Fazer o que? Enquanto organizávamos o flagrante, o celular da alma sebosa não parava de tocar. De início, atendi na pegada do movimento: “Vai mano!”. Se atender de outra forma, a malandragem já saca que berrou. Era o Pity: “E ai, véi, cadê a minha parada?! Traz aqui, ó!”. Gostei do papo e dei corda: “Pô, mano, ta meio sujeira agora... Tu vai querer quantas!?”. O vadio só queria uma trouxinha de merla (pasta base). Decidi sacanear um pouco: “Mano, tu ta foda! Só pega de uma, véi?! Pega logo três, mané!”. 5 minutos depois, o Pity retorna: “Mano, faz o seguinte, ao invés de uma traz mais outra, véi... Duas agora... Aliás, traz logo três que eu tô na bruxa!”. Não aguentei e gargalhei. Daí, revelei pro imbecil: ”Meu irmão, teu parceiro ta em cana! Tu ta falando com a polícia!”. Acho que eu fui tão convincente que o malandro respondeu de lá: “Tu é leso, é? Traz logo véi, que eu to na bruxa!”. Não deu outra, tive que mandar ele pegar a vassoura da bruxa e enfiar no rabo!

Pra completar o dia do fim do mundo, o infeliz do traficante conhecido como “Playboy” exibia contente a tatuagem com seu apelido na altura do lombo, próximo ao alvo dos “pescotapas”. A inscrição PLEIBOI... Puta que o pariu... Daí em diante, até o fim do mundo. Digo, até o fim do plantão, foi a gente zuando ele, dizendo que iriamos prender o tatuador que fez aquela miséria! Felizmente, o dia depois do fim chegou e mesmo cansado, moído e com o ombro bichado, sigo pra casa com a esperança de poder sobreviver a muitos outros “fins do mundo!”.


Mais uma vez, reforço que os Contos do Diário de um Delegado Plantonista são resultado da imaginação deste autor... Qualquer semelhança constitui mera coincidência.


Grande abraço à todos! E obrigado pelas cobranças de novos diários!

Enviado pelo Gera Laprovitera.

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