quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O informante

Por Carlito Peixoto Lima *

Bar do Chope e Igreja do Livramento.

Etelvino veio se achegando logo fez amizade com os frequentadores do Bar do Chope na Rua do Livramento. Sotaque carioca, ar de malandro, puxava de uma perna. Todo início da tarde ele aparecia, jornal embaixo do braço, mancando, cumprimentava os boêmios do Bar do Chope, abria o jornal, danava-se a ler. Era jornal da semana anterior, no entanto, impressionava por ser jornal de grande circulação no Brasil: O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil. 

Etelvino conseguiu plantar informações dentro bar que o fez respeitado entre os desocupados de plantão. Conversando insinuava ser informante do S.N.I. e das Forças Armadas. No início dos anos 70, auge da época da ditadura, era nitroglicerina pura, como diria depois de alguns anos um nosso Presidente. 

Histórias cheias de mistério e de invencionice circulavam no bar. Uns diziam que Etelvino mancava em conseqüência da explosão de uma granada na luta armada contra comunistas, outros afirmavam com certeza, ele era coronel da Aeronáutica, mancava devido à queda de um avião. Todas as histórias convergiam ser informante, fato importante naqueles anos. Os boêmios deviam tomar cuidado, não falar sobre política na frente do araponga. Meter o pau no presidente Médici, nem pensar. Era cadeia certa. 

Etelvino alimentava o mistério sobre sua situação, às vezes exagerava em opiniões e histórias. Já fazia parte da roda de desocupados. Quando ele chegava os companheiros perguntavam pelas novidades. Etelvino colocava o jornal na mesa, entrelaçava os dedos das mãos, iniciava suas invencionices em tom confidencial, carregando no sotaque carioca, impressionava a todos. 

- Ontem jantei com o Paes (coronel comandante do 20º BC- quartel do Exército), infelizmente não posso revelar detalhes, mas digo uma coisa meus amigos, aqui para nós, não vão dizer que fui eu que falei, confio em vocês. Lá pelo Amazonas para as bandas do Rio Araguaia está havendo maior guerra. Os guerrilheiros comunistas treinados em Cuba, China e Moscou, estão lutando contra os pára-quedistas do Exército. A coisa está preta, muitos mortos e feridos dos dois lados.

Os colegas de copo e mesa ficavam admirados. Essas notícias eram proibidas de ser publicadas em jornais, o que dava uma maior credibilidade ao “Coronel” Etelvino, como os amigos de bar já o chamavam. Era coronel para cá, coronel para lá. 

Na verdade, Etelvino tinha boa fonte de informação. Seu sobrinho, sargento da 2ª secção de informações do 20º BC, passava-lhe algumas notícias por alto, o tio insistia. Depois ele desenvolvia a história com fanfarronice no Bar do Chope. 

Certa tarde ele estava lendo O Globo da semana anterior, enquanto 10 a 12 estudantes bebiam e conversavam junto a sua mesa. Ele ficou escutando a conversa, maior atenção. Depois Etelvino se juntou aos amigos numa mesa mais ao canto e começou sua confidência. Os desocupados ficaram emocionados em conhecer os personagens bem perto, ao vivo. 

- Estão vendo aqueles estudantes, são todos comunistas, fichados. Aquele magro é o Bomfim, o galego é o Ronaldo Lessa, o outro mais gordinho chama-se Jurandir Bóia, ainda tem o Ênio Lins, o Aldo Rebelo, o Ivan Barros e o José Rocha. Estão bebendo e tramando subversão. Serão presos nesses próximos dias.

Os vadios ficavam na maior excitação. Ele sabe de tudo! Que cara bem informado! Admiravam e se orgulhavam da amizade do Informante.

Até que numa tarde tranqüila de chope, ouviu-se um tiro, outro tiro, vários tiros. Deu-se uma correria na Rua do Livramento, uns se abaixando, outros se deitando. Ivanildo Omena, irmão do famoso Cabo Henrique havia descarregado o revólver em seu inimigo Paulo Calheiros que morreu no meio da multidão em frente à Igreja do Livramento. 

Quando acalmou um pouco, ainda deitados, os bêbados gritaram: “Coronel prenda o assassino. Coronel Etelvino prenda o criminoso!” Só encontraram o grande ídolo algum tempo depois, encolhido embaixo de uma mesa por trás da mureta. Ao responder a um colega que exigia sua interferência naquele brutal assassinato, ele balbuciou, gaguejando, tremendo, acocorado. 

- “Não... Não... Não sou co... Coronel não!!!” 

Ao correr para o banheiro Etelvino não pode esconder a calça melada, cagou-se de tanto medo dos tiros. Depois desse dia nunca mais o carioca Etelvino, o informante, apareceu no Bar do Chope. 

* Carlito Peixoto Lima, ex-capitão do Exército, ex-prefeito de Barra de São Miguel, Alagoas, engenheiro, ambientalista, contador de histórias e escritor alagoano.

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