sábado, 26 de dezembro de 2015

Mão suada


Raimundinho era um dócil contínuo da repartição. Imberbe, de baixa estatura e ombros estreitos, tinha a voz arrastada e as mãos frias e suadas. Educado que só, fazia questão de cumprimentar a todos, com puxados e repetitivos chavões.

O sério Doutor Júnior, mais trancado do que o de touro subindo ladeira, se esquivava com indiferença às saudações de Raimundinho. E não escondia pra seu ninguém essa sua antipatia, principalmente pelo transpirado aperto de mão do contínuo. Daí, quando eu soube disso, tive a ideia de aprontar um pouco com o doutor. Cheguei pro Raimundinho e disse:

- Raimundinho, todos aqui lhes tem como o rapaz mais educado da repartição!
- Ô, muitíssimo obrigado...
- Atencioso e gentil!
- Quanta gentileza...
- Mas, cá pra nós, ninguém tá entendendo o que está acontecendo entre você e o Doutor Júnior...
- O que?! Pelo amor de Deus, o que está acontecendo que eu não estou sabendo?!
- Estão dizendo que você anda meio esquisito com ele, que se negou a apertar a mão dele... Não sei que o que... Mas, por favor, não faça fofoca com o que estou lhe dizendo, em consideração à nossa amizade. Peço-lhe reserva!
- Claro, pode deixar! Mas, por obséquio, com licença que eu vou resolver esse assunto agorinha mesmo!

E lá se foi Raimundinho reparar o “mal entendido”. Quando ele chegou na sala, Doutor Júnior se encontrava só, concentradíssimo em um processo que despachava. Aí, com muito jeito, sem que fossemos percebidos, eu e meia dúzia de colegas brechamos o contínuo puxar a conversa: 

- Dá licença, Doutor Júnior?
- Hum...
- Doutor Júnior, antes de tudo, aperte a minha mão... 
- Raimundo, tudo bem... (Se esquivando, dando tapinhas nas costas dele)
- Doutor Júnior, aperte a minha mão... 
- Carece não, Raimundo, carece não... 
- Doutor Júnior, deixe de ser orgulhoso e aperte a minha mão... 

Aí, depois de muita insistência, quando o Júnior já estava rendendo-se ao apelo de apertar a fria mão suada de Raimundinho, um de nós não se aguentou e vazou um riso. O Doutor notou, levantou-se avexado e nos descobriu na moita. 

- Muito bem, eu já estava desconfiando... Só podia ser sacanagem de vocês!
- Doutor, não estamos lhe entendendo... 
- E nem carece! Vocês não tem o que fazer, não?! 
- Temos, sim... 

Aí, Raimundinho não perdeu a oportunidade:

- Gostei, Doutor Júnior! É isso aí, tome cinco!
- Querem saber duma coisa? Vão dar os cuzes vocês e o Raimundinho!

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