segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Recados para o além


Assistindo o filme Baarìa - A Porta do Vento, do cineasta italiano Giuseppe Tornatore, lembrei que pelo sertão nordestino também havia o costume de se passar recados para os mortos, no além, por alguém que estivesse à beira da morte ou mesmo já defuntado, no velório. 

Contou-me Rodrigo Levi, que um tio dele agonizava no hospital, todo entubado e sobrevivendo por meio de vários aparelhos, quando lhe chegou uma sobrinha – coroa de idade indefinida, muito perfumada, com as rugas rebocadas de base, emperequetada com um justíssimo e bem curto vestido dourado ressaltando seus abundantes seios, a cintura grossa e a bunda murcha –, em movimentos frouxos. Famosa por ser uma agourenta rasga-mortalha, não perdeu tempo, carimbou a testa do velho com um beijo de espalhafatoso batom encarnado e foi logo pedindo o seguinte obséquio: 

- Titiozinho querido, diga pro paizinho que a nossa casa da praça eu reformei, pintei todinha de azul e botei pra alugar. Agora, fale pra mãezinha que eu perdi quinze quilos e duzentos gramas, pintei os cabelos de louro, dei entrada na minha aposentadoria... 

Aí, não sei de onde o ofegante tio tirou forças, mas, desatou uma das encarquilhadas mãos, esticou o dedo polegar, dobrou o indicador, o anelar e o mínimo, arregaçou o médio, e deu-lhe um baita de um trêmulo cotoco!

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