"Totonho, segue a Ronda Intemporal.
O autor, aqui, terá sido um seresteiro dos anos 1910...
Como você pode ver, antes as ruas ostentavam nomes de paisagens, acidentes geográficos, flores, até as horas do dia, enfim...
Tudo mudou. Mas o Recife continua com a suas ruas como antigamente: Rua da Hora, Rua da Aurora, Rua da Boa Vista e muitas outras.
Grande abraço
Ronda Intemporal de Fortaleza
(Luciano Maia)
Que nem a palma da mão
conheço a minha cidade
da Rua da Soledade
até a São Sebastião.
Singlehurst, nome tão
estranho à nossa linguagem
é rua de vadiagem
de encrencas e de discórdia;
Rua da Misericórdia
outra diversa paisagem.
Esta nos reconta a história
de vibrarmos de emoção
desde a Confederação
daqueles tempos de glória.
Tem a doída memória
dos heróis ali tombados
cruelmente fuzilados
junto à ladeira do forte.
Esta rua é um recorte
daqueles tempos passados.
Desci à Rua da Praia
subi a duna de areia
que o vento do mar penteia
sob um luar de cambraia.
Conversei com o Mestre Maia
o fazedor de navios;
seus olhos são como os rios
só desejam ir ao mar.
Muita história que contar
tem esse nauta escocês
que aqui aportou de vez
pra do mundo descansar.
Subi a Rua Formosa
até em frente à varanda
daquela que finge e anda
a dirigir-me uma prosa.
Já sei que seu nome é Rosa
pois ouvi no Cajueiro
cumprimentá-la, ligeiro
a mulata Beatriz
da Rua do Chafariz
filha de Antero Ribeiro.
Cantei-lhe duas canções
inventadas por Catulo
e inda achei de dar um pulo
no Mercado dos Pinhões.
Ali fazem-se os serões
a partir da esquina nova.
Para mim, é uma prova
de amor à minha cidade
cantar com quem tem vontade
vontade que se renova.
Inda fomos ao Garrote
tomamos banho de mar
cantou-se a não mais parar
o amor foi sempre o mote.
Ela e eu fomos de bote
ao Pajeú, na outra margem.
Naquela mansa barragem
nos banhamos de poesia
e até quase o vir do dia
foi bela a nossa viagem.
Já namorei em sigilo
o que é um privilégio
lá na Rua do Colégio
e lá na Praça do Asilo.
Uma, filha do Murilo
é donzela e casadoura
a outra uma sedutora
mulata, mora defronte
ao fim da Rua da Ponte
e é muito namoradora.
Dia de céu nevoento
na Rua do Seminário
planejei o itinerário
após o entretenimento:
da Rua do Livramento
vou à Rua do Paiol
depois à Rua do Sol
chupar uns cajus vermelhos.
Sigo à Rua dos Coelhos
sem precisar guarda-sol.
Entrei na Rua do Fogo
era o começo da noite
o vento dava de açoite
já o sol em desafogo.
Era um domingo de jogo
no salão do Pascoal
na Rua Municipal
me aguardava a dona Teia
que na Rua da Assembleia
tem seu café que é o tal.
Na bela Rua das Flores
me avistei com a normalista
que resida à Boa Vista
por quem suspiro de amores.
À noite, em meio aos cantores
da Rua do Patrocínio
canto também, tomo vinho
e volto à Rua da Palma
onde sacio a minh’alma
se ali a encontro a caminho.
Numa tarde de neblina
um domingo de aquarelas
passei da Rua das Belas
à Praça da Carolina.
Insistia a chuva fina
já se ia findando o dia
e na Rua da Alegria
como um rio em corredeira
demandando a Pitombeira
vão-se as águas da coxia.
Junto à Rua do Quartel
não fui preso por um triz.
Corro à Ruja da Matriz
ver o circo e o carrossel.
Escapei do coronel
e fugi para cantar.
Então entrei a pontear
o violão nas horas mortas
dormi na Rua das Hortas
em casa da Lucimar.
Outro dia (terça-feira)
não tendo nada a fazer
decidi ir percorrer
os subúrbios de poeira.
Numa rua prazenteira
deparei com um janota.
Tinha um jeitão idiota
de nouveau riche, o ricaço
dono do maior espaço
que há na Rua da Aldeota.
Perambulei como pude
senti da brisa o afago
subi a Rua do Lago
desci a Rua do Açude.
Que esta ronda me ajude
a cumprir todo o roteiro:
da Travessa do Outeiro
até a Rua da Trindade
já correu meia cidade
a fama do seresteiro.
Saí da Rua do Norte
e atravessei o riacho:
Rua do Córrego – eu me acho
menestrel de muita sorte.
Cantador tem que ser forte
cantar prazeres e dores.
Na Rua dos Mercadores
digo a canção mais sentida
em louvação da querida
cidade dos meus amores.