domingo, 18 de janeiro de 2015

O furto da Taça


A história sobre o furto da Taça Jules Rimet, conquistada em definitivo pela Seleção Brasileira, na Copa de 1970, no México, é a seguinte. 

13 anos após ser erguida pelo capitão Carlos Alberto Torres, a Taça Jules Rimet foi furtada do escritório da CBF, no Rio de Janeiro. Derretida, parte dela foi transformada em barras de ouro para a comercialização no mercado negro. 

O furto da Taça Jules Rimet foi traçado por Sérgio Pereira Ayres, o Peralta, que se dizia representante do Atlético Mineiro na CBF e empresário de jogadores. Frequentador assíduo da então CBD, o acusado conhecia os pormenores do prédio e o local onde ficava guardada a Taça. 

Peralta morava no bairro portuário de Santo Cristo, onde, numa roda de baralho, contou em segredo o seu plano a Antônio Setta, o Broa, X-9, delinquente que a polícia considerava um especialista em abertura de cofres, no Rio de Janeiro. 

Apanhando de surpresa Peralta, Broa não topou participar do furto, alegando motivo sentimental. É que ele havia perdido um irmão, vítima de enfarte, exatamente no final da Copa de 1970, após a goleada de 4 a 1, do Brasil sobre a Itália. 

Não se dando por vencido, no mesmo bar de Santo Cristo, semanas depois Peralta colocou em ação seu plano B para o sequestro da Taça Jules Rimet. Então, o ex-bancário Sérgio Peralta convocou o ex-detetive Francisco José Rocha Vieira, o Chico Barbudo – expulso da polícia por ter roubado uma metralhadora da Delegacia de Paracambi. Chico era aposentado por ter problemas psiquiátricos e atuava no mercado negro de compra e venda de ouro e joias. O convite de Peralta lhe caiu como uma luva. 

O segundo homem para a invadir a sede da CBF no 9º andar do prédio da Rua da Alfândega, 70, no Centro do Rio, também foi um frequentador da roda de baralho de Santo Cristo. O decorador José Luiz Vieira da Silva, o Bigode, topou participar da transação, que granjeou protestos por todo o mundo.

Pouco antes do assalto, o futebol havia entrado de férias no país, o clima era tranquilo e já não havia o movimento de cartolas no prédio da CBF. Peralta reuniu-se com Bigode e Barbudo para tratarem as estratégias da invasão à sede da Confederação.


Por volta das 21h da segunda-feira do dia 19 de dezembro de 1983, a dupla invadiu o prédio com a ação primeira de imobilizar e amordaçar o vigia João Batista Maia, com quem estavam as chaves das salas da CBF. Peralta contou com uma burlesca ajuda: a vitrine era de vidro a prova de bala, mas, presa à parede com pregos. Ali estava exposta a Taça Jules Rimet original, e a réplica, ironicamente, recolhida a um cofre. A operação criminosa foi facilmente executada pela dupla, que, de lambuja, levou dois outros troféus.

No encontro depois com Peralta, Barbudo apresentou a maneira mais rápida para derreter a Jules Rimet e fazer dinheiro. Atuante no mercado ilegal de ouro e joias, Barbudo era conhecedor desse submundo e seus compartes. Daí, procurou o argentino Juan Carlos Hernandes, que mexia com drogas, ouro e vivia ilegalmente no país. Juan possuía um equipamento artesanal que eracapaz de extrair e derreter 1,8kg do ouro contido na taça, feita em prata de lei e com base em lápis-lazúli, com 35cm de altura e peso total de 3,8kg. 

O argentino, que já mantinha comércio de ouro no Centro do Rio há mais de 3 anos, comemorou a chegada do serviço anunciado pelo parceiro Barbudo, trocando a razão social de sua firma e alugando todo o 20º andar do prédio 143, da Avenida Rio Branco. O nome da nova firma de Juan – Aurimet Comércio de Metais Preciosos Ltda. – parecia ironizar o episódio. Aurimet adveio da composição de "auri" (ouro em latim) e "met" (de Rimet) de Jules Rimet, nome do francês que criou em 1929 a cobiçada estatueta conquistada pela Seleção Canarinho. Cínico, um mês após o roubo na CBF, o criminoso cara-de-pau argentino criou a Aurimet.

A trama planejada por Peralta virou manchete mundial e o caso demandou uma gigantesca investigação, numa ação conjunta das Polícias Federal, Civil e Militar. Então, lembraram de Antonio Setta, o Broa, X-9, que tornou-se personagem-chave na elucidação dessa história. Alcaguete bem relacionado com a polícia, Broa foi procurado na zona portuária por um agente federal e abriu o bico, relatando inclusive o convite que recebera de Peralta para participar da empreitada criminosa.

Com a revelação de Broa, a polícia chegou a Peralta. Dedurado, ele foi preso logo depois na Avenida Beira Mar, Zona Sul do Rio. Encapuzado, após três dias incomunicável e, segundo ele, com direito a sessões de torturas, Peralta confessou e entregou os comparsas, presos provisoriamente em 1984. Depois, todos foram libertados, condicionalmente, a espera de sentença judicial. Somente em 1988 eles tomariam conhecimento das sentenças condenatórias. Peralta foi condenado a 5 anos de cadeia; os ladrões Barbudo e Bigode a 6 anos, cada; e o receptador Juan Hernandes, a 3 anos. 

A recaptura dos envolvidos retomaria depois as operações policiais. Sérgio Peralta, que morava em Santo Cristo, buscou refúgio num imóvel de classe média alta na Rua Narcísio Portugal, a um quarteirão do 25º Batalhão da PM em Cabo Frio, onde, impunemente, teria vivido durante quase uma década. "Era um homem introvertido e muito educado", diziam os vizinhos. Preso em 1994 às vésperas de outra Copa do Mundo, Sérgio Peralta cumpriu pena de 3 anos em Bangu. Foi libertado em 1998. Com a saúde fragilizada, pobre e sem ouro, acometido de enfarte, Peralta morreu em 2003. 

O ex-policial Chico Barbudo não chegou a ser recapturado, mesmo depois de condenado. Ele recorreu duas vezes da sentença, mas acabou assassinado, em setembro de 1989, num bar de Santo Cristo. 

Bigode, o ladrão decorador, foi localizado e preso em 1995. Cumpriu pena em Bangu, como Peralta. Depois, passou por regime semiaberto na Colônia Agrícola de Magé. 

Juan Hernandes respondia também por tráfico e ficou preso na Polinter carioca. 

Antônio Setta, o Broa, cujo depoimento deu origem ao desmantelamento e a prisão do bando de Peralta, teria sido alvo de uma queima de arquivo. Ele morreu em acidente de carro, na Lagoa Rodrigo de Freitas, dois dias antes da data marcada pela Justiça para depor. 

Nunca se soube oficialmente o paradeiro do ouro extraído da Taça Jules Rimet. 

(Fotos: Google)

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